O Lagar: história (parte I)

20-12-2020

“Não há data conhecida da execução deste lagar.

Eu, como membro mais idoso da família, lembro-me muito bem, desde criança, de o nosso pai - Manuel Joaquim Ferreira o utilizar para fazer o nosso azeite.

Já tenho 82 anos e desde muito pequenina frequentava o lagar ao colo da minha mãe.

Lembro-me dum compartimento muito grande, redondo, feito com pedras de xisto que tinha no meio um pio de grandes pedras de granito encostadas umas às outras para não cair de lá a azeitona que era lá moída com três grandes rodas, também de granito, que estavam ligadas umas às outras por uma engrenagem de onde saia um pau que era puxado por um grande boi que andava continuamente à volta desse tanque ou pio para moer a azeitona que era deitada lá dentro. O boi não podia parar enquanto lá tivesse azeitona, e para isso, andava a criançada tocando o boi, vigiados pelo nosso pai, que não nos deixava andar na brincadeira.

Quando a azeitona estava moída era removida com umas gamelas pelos homens, que estavam ao serviço e a deitavam, por uma janela nas seiras, que estavam na parte de baixo em cima dumas pedras de granito juntas, que tinham ao lado um rego a todo o comprimento das seiras, que conduziria o líquido que iria escorrer delas depois de escaldadas com água a ferver e comprimidas com um enorme tronco de madeira cuja pressão era feita através dum grande bloco de granito em forma de pirâmide truncada pelo meio da qual havia um parafuso puxado por 4 homens, cada um segurando a ponta de um ferro em cruz, levantando do solo o bloco para espremer bem a massa no interior das seiras.

Nessa altura já estava outra vez o pio cheio de azeitona que entrava por uma porta virada a nascente e dava para a rua.

Na parte central do lagar havia uma grande fornalha em cima da qual estava uma grande caldeira sempre com água a ferver.

A fornalha tinha de ser alimentada com lenha ou bagaço da azeitona, que ia sendo armazenado do lado esquerdo de quem entrava pela porta da rua.

No lado direito da fornalha havia duas talhas de granito, para uma caia a água ruça ou alpechim e para outra ia o azeite que o meu pai separava cuidadosamente dos outros líquidos com um processo muito simples. Punha uma azeitona numa palha junto à espiga e como o azeite vem sempre ao cimo encaminhava-o para a 2ª talha e aí ficava só o azeite puro e a água ruça era expelida através de uma agueira profunda em direcção a um campo que tínhamos muito abaixo do lagar.

Todo o serviço tinha de ser feito no Inverno logo a seguir à apanha da azeitona para que o azeite ficasse puro. O meu pai trazia lá muita gente a trabalhar e havia o lagareiro que comandava os serviços gerais.

Quando o meu pai ficou impossibilitado passou esse trabalho ao meu irmão Nicolau, que o herdou quando ele morreu.

Nessa altura muita gente frequentava o lagar: uns para se aquecerem, outros a pedir que lhe molhassem uma torrada no azeite. A minha mãe quando cozia o pão fazia sempre uma grande bola e pedia sempre que lha molhassem em azeite num tacho próprio para isso, pois o meu pai não consentia que ninguém metesse nada na talha do azeite.

Nos dias frios do Inverno os alunos da escola iam lá encher a braseira de brasas, pois não havia outro aquecimento na escola nos frigidíssimos dias de Inverno.”

 Maria da Natividade Ferreira, Azinhoso: história e memórias, 2019


O Lagar do Nicolau | 2021 | Bem-vindo ao Nordeste Transmontano!
Desenvolvido por Webnode
Crie o seu site grátis! Este site foi criado com a Webnode. Crie o seu gratuitamente agora! Comece agora